31/01/12

sem outro intuito

©  Lara Jacinto | 2011



Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.

Luís Miguel Nava

30/01/12

como eu

© Lara Jacinto | 5ª hora do dia mundial da fotografia, 2011


Assoam-se-me à alma, quem
como eu traz desfraldado o coração sabe o que querem
dizer estas palavras.
A pele serve de céu ao coração.

Luís Miguel Nava

29/01/12

Ryan Gosling, in The Ides of March | 2011


«Stephen Meyers: You broke the only rule in politics. You want to be president? You can start a war, you can lie, you can cheat, you can bankrupt the country... but you cant fuck the interns. They'll get you for that.» in The Ides of March

27/01/12

este poema é para ti

© Thomas Prior



“numa noite de audácia incomparável
passo a tratar-te por tu, e abraço com as pontas dos dedos
os nós das tuas mãos; no fresco calor condicionado
de um quarto onde a luz não dá para ler, recito
estrofes e mitos; beijo-te, não é? nada estava escrito,
nenhuma verdade comum aos planetas,
éramos só nós sem nenhum segredo,
vivos e completos, serenos, mortais”

António Franco Alexandre

'como nos filmes'

Wong Kar Wai | My Blueberry Nights, 2007


"de longe, a maior invenção dos Homens é o beijo."
Gonçalo M. Tavares 

24/01/12

no abismo

Ryan Gosling, in The Ides of March | 2011


Tudo o que disso se recolher servirá de alimentação. Quer dizer:
podemos devorar a nossa biografia, podemos ser antropófagos,
canibais do coração pessoal. Aquilo que se escreva conservará
cegamente um tremor central, esse calafrio de ter olhado alguma vez o
nosso rosto filmado no abismo do mundo.

Herberto Helder

23/01/12

meu amor,

© Maria | Casa de Serralves, 2011


Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Manuel António Pina

20/01/12

és

© Maria | 2011

És aquele que procuro... (como se fora um sonho),
Tenho a certeza que, nalguma parte, alegremente, vivi contigo,
Recordo, ao nos cruzarmos, tudo, fluido, afectuoso, casto, calmo,

Comi contigo, dormi contigo, o teu corpo não ficou só teu, nem o meu corpo só meu.
Deste-me o prazer dos teus olhos, do rosto, da carne ao nos cruzarmos

Não me cumpre falar-te, eu sou quem existe para pensar em ti...
Eu sou quem deve esperar, seguro de voltar a encontrar-te,
Eu sou quem deve cuidar de te não perder para sempre.

Walt Whitman

19/01/12

este poema é para ti

A Dozen of Those by Lim Shing Ee
National Museum Of Singapore, 2011

"Sempre nos conhecemos. Sempre soubemos. Igual o nosso sangue: transparente e único; vermelho, múltiplo." F.M. 

18/01/12

aproximo-me

Melodrama para dois actores & um fantasma | Rui Catalão

 "aproximo-me de falar, mas ambiciono guardar o silêncio; é duvidoso que lhe agrade a simplicidade deste paradoxo. / o seu olhar trespassa-a. a sua face é branca. protejo esse lugar onde as tuas palavras começam. " António Franco Alexandre

17/01/12

somos

© Fjorge | The Hall of Mirrors by Bruce Quek  | The Substation Gallery | Singapore, 2011

"Repito para mim próprio: estamos tão perto uns dos outros. Não há nenhum motivo para acreditarmos que ganhamos se os outros perderem. Os outros não são outros porque levam muito daquilo que nos pertence e que só pode existir sendo levado por eles. Eles definem-nos tanto quanto nós os definimos a eles. Eles são nós. Eles somos nós. Se tivermos essa consciência, podemos usar todo o seu tamanho. Mesmo que pudéssemos existir sozinhos, de olhos fechados, com os ouvidos tapados, seríamos já bastante grandes, mas existe algo muito maior do que nós. Fazemos parte dessa imensidão. Somos essa imensidão que, vista daqui, parece infinita." José Luís Peixoto

16/01/12

uma casa cheia

© Maria | Porto, 2011

Os livros, esses animais sem pernas, mas com olhar, observam-nos mansos desde as prateleiras. Nós esquecemo-nos deles, habituamo-nos ao seu silêncio, mas eles não se esquecem de nós... Devemos-lhes tanto, até a loucura, até os pesadelos, até a esperança em todas as suas formas.
Os livros caem do céu, fazem grandes linhas rectas e, ao atingir o chão, explodem em silêncio. Tudo neles é absoluto, até as contradições em que tropeçam. E estão lá, aqui, a olhar-nos de todos os lados, a hipnotizar-nos por telepatia." José Luís Peixoto in, Uma Casa Cheia de Livros

13/01/12

tu és tudo

© Claude Lelouch | Un homme et une femme, 1966

"Tu és tudo aquilo que sei. Mesmo quando não estavas lá, mesmo quando eu não estava lá, aprendíamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos. Aquilo que existe dentro de mim e dentro de ti, existe também à nossa volta quando estamos juntos. E agora estamos sempre juntos. O meu rosto e o teu rosto, fotografados imperfeitamente..." José Luís Peixoto in, Abraço 

12/01/12

ela sabe

© Pedro Almodóvar | La Piel que Habito, 2011

"Ela sabe as palavras mas limita-se a sorrir..."
Paul Celan 

10/01/12

escuta, ouve.

© Li Wei | Tree

"eu sei que entendes o que não sei dizer. Essa certeza é feita de vento. Eu e tu somos esse vento. Não apenas um pedaço do vento dentro do vento, somos o vento todo.
Escuta,
ouve.
Amor.
Amor."


José Luís Peixoto in, Abraço 

08/01/12

Aldina Duarte


O filme "Aldina Duarte - Princesa Prometida" de Manuel Mozos será exibido no dia 13, às 22h00, na Cinemateca, no âmbito do ciclo Fados. Sessão com a presença de Manuel Mozos e Aldina Duarte.

Assim...

© Emine Ceylan | series "For My Father", The Field of my Father, 2007


"não poderiam os homens morrer como morrem os dias? Assim, com pássaros a cantar sem sobressaltos..." José Luís Peixoto in, Morreste-me 

05/01/12

o privilégio

© Nuri Bilge Ceylan | A Winter Day on the Galata Bridge, 2007

"Entre uma infinidade de hipóteses de não teres nascido, saiu-te a sorte de teres nascido. Se te tivesse saído a "sorte grande", haveria gente que se admiraria de isso te ter acontecido. Tu mesmo dirias talvez que parecia um "sonho", que era inacreditável, que ainda não tinhas caído em ti do assombro. Mas essa sorte foi a de um número entre dezenas de milhares ou mesmo centenas. Mas teres nascido... é ter-te saído a sorte entre biliões e biliões e biliões de hipóteses negativas. Saiu-te o número inscrito numa areia do universo. Tens pois o privilégio incrível de veres o sol, as flores, os animais. De ouvires as aves e o vento. De. E todavia, como esqueces isso tão facilmente. Breve tudo se apagará em silêncio. Breve a oportunidade de estares vivo cessou. Provavelmente ninguém mais saberá que exististe. E mesmo dos que o souberem, não se saberá um dia. Num momento não muito longínquo morrerá o último homem sobre a face da Terra. Esse é, aliás, o momento da tua própria morte, porque tu és o primeiro e o último homem que nasceu. Tudo é rápido e contingente e miraculoso. Tudo é rápido e sem consequências. A única consequência és tu e a vida que viveres. Não a desperdices. Não inutilizes a fabulosa sorte que te calhou. Vê. Ouve. Pára, escuta e olha, que a morte vai a passar. E terás cumprido ao menos, para com o universo, um pouco do teu dever de gratidão". Vergílio Ferreira

03/01/12

uma banalidade



Paul Bowles
"Foi aqui, pela primeira vez, que me tornei consciente de que um ser humano não é uma entidade, e que a sua interpretação dos fenómenos exteriores só faz sentido quando partilhada pelos outros membros de um grupo cultural. Uma banalidade, é certo, mas que me tinha escapado até então." Paul Bowles in, Memórias De Um Nómada