28/02/13

© Lilja Birgisdottir | sigur rós, Valtari, 2012
© Lilja Birgisdottir | sigur rós


Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.

Manuel António Pina
© Abbas Kiarostami | Rain series

Talk Talk | Laughing stock, 1991

27/02/13

© Susana Jesus | “Água é Vida”
(fotografia premiada no Concurso de Fotografia Montepio 2012)

A água não resiste. A água corre. Quando mergulhas nela a mão, só sentes uma carícia. A água não é uma muralha sólida, não te deterá. Mas a água vai sempre para onde quer ir, e nada, no fim, pode nada contra ela. A água é paciente. A água a pingar desgasta uma pedra. Lembra-te de que és metade água. Se não puderes passar através dum obstáculo, contorna-o. A água fá-lo.

Margaret Atwood, in A Odisseia de Penélope
© VBK | Marina Abramovic and Ulay: Breathing In / Breathing Out, 1977

                                                                         os nomes
atravessa-se sempre a água só de a respirar

Luís Felício

26/02/13

24/02/13

Onde é que julgas que vais? de Tiago Torres da Silva
com Fernanda Neves e João Passos

"Tu ouviste, no fundo da tua carne, a voz humana da solidão..."

Giorgos Seferis

23/02/13

Onde é que julgas que vais?

onde nos dói descobrir,
na companhia dos outros,
o quanto nos reclama a solidão.

Rui Pires Cabral

22/02/13

© Wim Wenders | Pina, 2011


"O amor junta duas unidades – a Maria João e eu, por exemplo – e faz com que tenham muito mais do que a força de uma só pessoa. Não somos metades. Somos pessoas, cada uma. E quando nos juntamos, porque nos amamos, somos muito mais do que duas pessoas (e muito menos, uma). O amor entre duas pessoas multiplica-as. Os amantes tornam-se uma multidão. O meu amor, a Maria João, salva-me das minhas desgraças por torná-las, por amor, desgraças dela. Não há um meio-caminho. A vida torna-se no que o amor junta."

Miguel Esteves Cardoso, aqui.
The National  | High Violet, 2010

WINE comes in at the mouth
And love comes in at the eye...

W.B.Yeats
© Jorge F. Marques


I am not a painter, I am a poet.
Why? I think I would rather be
a painter, but I am not. 

Frank O'Hara

21/02/13

© Saul Leiter

"Vi logo o tamanho da sua solidão: tinha o tamanho do mundo. Ela era a criatura mais só do mundo. E a sua história apareceu - simples, tenebrosa - entre as nossas duas cervejas. Todas as histórias pessoais são simples e tenebrosas. Não me comovi. Comovido já eu estava: com as coisas, comigo, com a chuva sobre a cidade. Talvez houvesse uma irónica alegoria em nós os dois ali sentados diante dos belos copos frios, compreendendo ambos tão facilmente o que nos acontecia e iria acontecer que não tínhamos pressa. Poderíamos morrer ali mesmo. Esperávamos."

Herberto Helder, in Os Passos Em Volta

20/02/13

© John Rawlings, 1948 


Que desejo de naufrágio
se levanta das águas

Lennart Sjogren 

19/02/13

© Martin Munkácsi  

Tudo o que quero dizer levaria
mais tempo do que aquele que tenho
aqui.

Jorge Gomes Miranda
© Gabriele Basilico [1944-2013]

E que diriam as ruas, as escadas, os corredores
onde se podem há muito ter cruzado?

Wislawa Szymborska 

17/02/13



© Martin Munkácsi  

Para cá de mim e para lá de mim, antes e depois.
E entre mim eu, isto é, palavras,
formas indecisas
procurando um eixo que
lhes dê peso, um sentido capaz de conter
a sua inocência
uma voz (uma palavra) a que se prender
antes de se despedaçarem
contra tanto silêncio.
São elas, as tuas palavras, quem diz "eu";
se tiveres ouvidos suficientemente privados
podes escutar o seu coração 
pulsando sob a palavra da tua existência,
entre o para cá de ti e o para lá de ti.
Tu és aquilo que as tuas palavras ouvem, 
ouves o teu coração (as tuas palavras "o teu coração")?


Manuel António Pina

16/02/13

© Jorge F. Marques


"Sabemos naturalmente que tudo o que nos rodeia é mutável e efémero.
Crescemos a ver coisas aparecerem e desaparecerem.
Sabemos que mais cedo ou mais tarde algo mais importante na nossa vida também nos vai abandonar.
O que não sabemos é o quanto nos vai perturbar.
O que não sabemos é o quanto nos vai marcar.
O que não sabemos é que vamos, consciente ou inconscientemente, tentar recompor as nossas emoções.
O que não sabemos é que um dia vamos redescobrir o mundo que perdemos.
O que não sabemos é o quanto nos vai doer revisitar as memórias e assumir que o que mudou não volta a ser.
Os lugares despem-se de sentido, ficam frios e vazios.
Permanecem, mas em silêncio. Permanecem, mas sem emoção.
A certo ponto, até as memórias se transformam.
A certo ponto, até as memórias se desvanecem.
É aí que a fotografia se assume.
E é ela tudo o que nos resta." 

Jorge Marques, in O que resta

"Vem sempre dar à pele o que a memória carregou, da mesma forma que, depois de revolvidos, os destroços vêm dar à praia."  

Luís Miguel Nava

15/02/13

© Gabriele Basilico [1944-2013]
Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta, 
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter, 
Pergunto a mim próprio devagar 
Porque sequer atribuo eu 
Beleza às coisas.

Alberto Caeiro
©  Paul Thomas Anderson  | The Master, 2012

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro


Ruy Belo
© Maria, 2012

"Você [Fernando Assis Pacheco] fala de quase tudo quanto, na vida, é importante e fala, tornando-o, para nós, também importante. É que, às vezes, esquecemo-nos, e é ao poeta que compete reacender-nos a lembrança.Eugénio Lisboa
Cat Power | Sun, 2012

"qualquer coisa assim
como um tempo sem fim
como um espaço sem tempo"

Mário Cesariny 

14/02/13

© Saul Leiter, 1945

"O meu amor não cabe num poema - há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo..."

Maria do Rosário Pedreira

© Martin Munkácsi  

"era uma espécie de poeta desgraçado, a quem contudo os olhos insistem em sonhar."

Almeida Faria, in A Paixão
© Christian Petzold | Barbara, 2012

"creio na imortalidade: não na imortalidade pessoal, mas na imortalidade cósmica. Continuaremos a ser imortais; para além da nossa morte corporal fica a nossa memória, ficam os nossos actos, as nossas obras, as nossas atitudes, toda essa maravilhosa parte da história universal, ainda que o não saibamos, e é melhor que não o saibamos." 

Jorge Luís Borges




"Não sei se já viram o Júlio Resende a tocar, magrinho, de sorriso fácil, parece cheio de dedinhos a correr as teclas. Um rapaz cheio de dedinhos a tocar piano. Temos a sensação de que cai uma chuva inteligente nas teclas, vinda de todo o lado, à tangente de si mesma, organizando o som. O som segundo a mais bonita intuição, como se ele fosse escutado da natureza.

Eu ia aprender piano aos 17 anos, mas o Casio custava uns 12 contos e não havia dinheiro para essas coisas. Ainda desenhei um teclado em folhas de papel para treinar surdamente a coreografia circense dos acordes. Contudo, não resisti à falta de som.
Punha os discos do Michael Nyman a tocar, houve uma época em que o ouvi muito, e achava que teria sempre tempo para aprender. Não contava com a precariedade dos ossos, a lentificação de todo o corpo e a grande falta de paciência. Hoje, torto dos dedos, não os consigo educar para a música. Tenho os dedos burros do ritmo, cansados. Compenso a frustração escutando. Ando cada vez mais apurado. Ouço bem como os melhores coscuvilheiros.

O Júlio Resende, que vi a acompanhar a Aldina Duarte nas Quintas de Leitura, tem uma graça particular. Sentimos como a sua natureza tem que ver com aquilo, como se tem feliz enquanto toca, como a música se torna mais delicada, sensível, humana. Sempre me maravilhou a capacidade de génio dos outros. Gosto que as pessoas sejam capazes da maravilha. Fico comovido com essa excepcional forma de existir. Pasmo.

Tenho ouvido o seu belíssimo disco, You taste like a song, acompanhado do seu trio, entretanto, a minha amiga saiu de coma, recuperou a memória, está como eu a queria, forte e carregada de personalidade como sempre. Já pude sorrir. Sorrimos todos, os assustados. Passou o grande susto e ouço o piano do Júlio Resende como a Primavera a chegar durante o Fevereiro frio que passa. Da varanda alta da minha casa, o vento uivando como feroz, eu vejo cada coisa na sua invernia através do piano. Deixa-me feliz. Há algo que me deixa feliz. Compreendo bem que a arte foi inventada para isso. Para lidar com o nosso mesmismo e nos fazer sentir num instante de pura elevação. Carregando mágoas e melancolias, nunca apagando quem somos, com tudo isso, sentimos uma especial felicidade. Alguém nos ofereceu uma expressão do seu lado mais precioso. Se abrisse a porta grande da varanda, talvez até o vento se calasse para ouvir. Para ouvir o Júlio Resende tocar." Valter Hugo Mãe

13/02/13

© Christian Petzold | Barbara, 2012

"Se adivinhasse o futuro...
Sabes, o futuro até certa altura."

Carlos de Oliveira, Finisterra - paisagem e povoamento, 1978

"O meu mundo tem estado à tua espera..."
Maria do Rosário Pedreira

12/02/13

© Sam Taylor-Wood | Paul Newman

"que me falta? que sol? porque me tornei demasiado velho depois de ser criança? porque não serei eu nunca um homem novo? durmo, velo, sonho, lembro; a vida é isto: tempo." 

Almeida Faria, in A paixão - editorial Estampa, 1976
© Wes Anderson | Moonrise Kingdom, 2012

"O cinema não é certamente só vida; nem só arte. Como ensina Godard, o cinema está entre a vida e a arte." Manuel António Pina, in Aniki-Bóbó [ensaio escrito por encomenda do British Film Institute para a colecção BFI Classics, editado em Portugal pela Assírio & Alvim - livros de cinema, 2012]

11/02/13

©  Frances McLaughlin-Gill, 1948

O vento vira
além do que ainda está latente
e os olhos aprendem que o fumo pode picar:
a vida que não escolhi
escolheu-me subitamente.
E eu estou não escrito.
Escreve-me.

Kjell Espmark 
© Jean-Marie Périer, 1964

“(…) Por limitação corporal, geográfica, de tempo, estamos condenados à vida que temos. Escrever é uma libertação. É um acelerador do quotidiano. Ou ler. Tanto faz, não distingo muito o ler e o escrever, porque para mim a possibilidade de ficção é igual de um lado ou de outro: é o encontro com outras vidas. E não nos sentimos tão sozinhos. 

Eu não tenho dúvidas de que escrevo para ser amada. Aliás, eu existo para ser amada. Acho que é o objectivo de cada um de nós, só que uns sabem e outros não. A escrita é também uma sedução. Eu, como leitora, sinto sempre que estou a ler o melhor que aquela pessoa tem para me dar, estou a ouvir, é um diálogo.” 

Dulce Maria Cardoso, aqui

10/02/13

© Frances Mclaughlin-Gill, 1950

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.

Herberto Helder

09/02/13

© Ryan McGinley

Deixa-me respirar por muito, muito tempo, o odor dos teus cabelos, mergulhar neles todo o meu rosto, como um homem sequioso na água duma nascente, e agitá-los com a mão como um lenço perfumado, para sacudir as recordações no ar. Se tu pudesses saber tudo o que eu vejo! tudo o que eu sinto! tudo o que eu ouço nos teus cabelos! Minha alma viaja sobre o perfume como a alma dos outros homens viaja sobre a música.

Charles Baudelaire, in Rosa do Mundo: 2001 poemas para o futuro
© Ryan McGinley


O poeta tem os seus dias
contados,
como todos os homens; mas quanto,
quanto mais variados!
As horas do dia e as quatro estações,
um tanto menos de sol ou mais de vento,
são o devaneio, o acompanhamento
sempre diverso para suas paixões,
sempre as mesmas; e o tempo que faz,
ao levantar-se, eis o grande acontecimento
do dia, sua alegria assim que desperta.
Nada como as luzes contrárias o alegra,
nada como os belos dias
movimentados,
e em longas histórias multidões imersas,
onde o azul e a tempestade duram pouco,
onde se alternam searas de infortúnio
e de vitória.
Com um rubro crepúsculo se entusiasma;
e com as nuvens muda de cor,
ainda que lhe não mude a alma.
O poeta tem os seus dias
contados,
como todos os homens; mas quanto,
quanto mais abençoados!

Umberto Saba 

08/02/13

© Stephen Shore


"O tempo é a dádiva da eternidade. Se nos fosse dado todo o ser... O ser é mais do que o universo, mais que o mundo. Se nos mostrassem o ser de uma só vez, ficaríamos aniquilados, anulados, mortos. Em contrapartida, o tempo é a dádiva da eternidade. A eternidade permite-nos realizar todas essa experiências de um modo sucessivo. Temos dias e noites, horas e minutos; temos a memória, temos as sensações actuais e logo temos o provir, um porvir de que ignoramos a forma mas que pressentimos ou tememos.

Tudo isso nos é dado sucessivamente porque não poderíamos aguentar essa intolerável carga, essa intolerável descarga de todo o ser do universo. O tempo seria, assim um dom da eternidade. A eternidade permite que vivamos sucessivamente. (...) felizmente para nós, a nossa vida está dividida em dias e em noites, a nossa vida é interrompida pelo sono. Erguemo-nos de manhã, vivemos o nosso dia e depois adormecemos. Se o sono não existisse, seria intolerável viver, não seríamos donos dos nossos prazeres. A totalidade do ser é para nós impossível. Assim, é-nos dado tudo, mas gradualmente." 


Jorge Luís Borges, in Borges Oral - edição Vega, 1994
© Saul Leiter, 1958


The vast majority of your color images are framed vertically. Can you say why you favored this perspective? Is there something about leading the viewer’s eye in a vertical rather than horizontal manner? 

- Just call me Mr. Vertical. 
© Saul Leiter | self-portrait, 1950's

Is it fair to say that you were more interested in evoking the character of New York City’s people rather than its architecture? 

- I didn’t photograph people as an example of New York urban something or other. I don’t have a philosophy. I have a camera. I look into the camera and take pictures. My photographs are the tiniest part of what I see that could be photographed. They are fragments of endless possibilities. 


Is there a philosophy or outlook that you have tried to communicate in your work? 

- I didn’t try to communicate any kind of philosophy since I am not a philosopher. I am a photographer. That’s it.

Photographers speak

07/02/13

© Saul Leiter, 1957

Esta mão é todavia surpreendente
e subitamente fora de qualquer coisa
por onde se precipita e se agarra.

Manuel António Pina
© Saul Leiter, 1947

Quem me olha desse lado
e deste lado de mim?

Manuel António Pina
© Saul Leiter | Postmen,1952

Somos seres olhados 
Quando os nossos braços ensaiarem um gesto 
fora do dia-a-dia ou não seguirem 
a marca deixada pelas rodas dos carros 
ao longo da vereda marginada de choupos 
na manhã inocente ou na complexa tarde 
repetiremos para nós próprios 
que somos seres olhados 

E haverá nos gestos que nos representam 
a unidade de uma nota de violoncelo 
E onde quer que estejamos será sempre um terraço 
                                                                a meia altura 
com os ao longe por muito tempo estudados 
perfis do monte mário ou de qualquer outro monte 
o melhor sítio para saber qualquer coisa da vida 

Ruy Belo